O Retrocesso Fundamentalista: Uma Crítica ao Discurso de Frei Gilson e à Ideologia da Brasil Paralelo

13/03/2025 00:09
As ideias defendidas por Frei Gilson e amplificadas pela Brasil Paralelo não merecem apenas crítica; exigem resistência ativa.
As ideias defendidas por Frei Gilson e amplificadas pela Brasil Paralelo não merecem apenas crítica; exigem resistência ativa.

No dia 8 de março de 2025, Dia Internacional da Mulher, uma declaração do frade carmelita Frei Gilson ecoou pelas redes sociais, reacendendo debates sobre machismo, religião e o papel da mulher na sociedade contemporânea. Em um discurso amplamente divulgado, o religioso afirmou que "a função da mulher na sociedade é ser uma mera auxiliar do homem", rejeitando abertamente o conceito de empoderamento feminino e sugerindo que as mulheres deveriam se dedicar a "edificar o lar" e "cuidar dos homens". Promovido pela Brasil Paralelo, uma produtora de conteúdo notoriamente alinhada à extrema direita, Frei Gilson tornou-se o mais recente porta-voz de ideias retrógradas que buscam perpetuar uma visão patriarcal e autoritária sob o verniz da fé cristã.

O Contexto: Quem é Frei Gilson e o Papel da Brasil Paralelo

Frei Gilson, um sacerdote de 38 anos que ganhou notoriedade durante a pandemia por suas transmissões ao vivo no YouTube, consolidou-se como uma figura carismática entre setores conservadores do catolicismo brasileiro. Com quase 7 milhões de inscritos em seu canal, ele mobiliza uma audiência impressionante — mais de 1 milhão de fiéis assistem suas orações às 4h da manhã —, superando até mesmo nomes tradicionais como o Padre Marcelo Rossi. Seu discurso, porém, vai além da espiritualidade: é marcado por posturas rígidas, conservadoras e, muitas vezes, controversas. Associado à Brasil Paralelo, uma plataforma que se autoproclama defensora de "valores tradicionais", Gilson reflete a agenda ideológica dessa produtora, que mistura revisionismo histórico, anticomunismo e exaltação de uma suposta "ordem natural" para justificar desigualdades sociais e de gênero.

A Brasil Paralelo, por sua vez, não é uma mera empresa de mídia. Trata-se de um projeto político-cultural que busca moldar narrativas alinhadas à extrema direita, frequentemente promovendo figuras como Frei Gilson para dar uma face religiosa ao seu discurso. Essa aliança entre fundamentalismo cristão e conservadorismo político revela uma estratégia clara: usar a fé como instrumento de controle social, legitimando ideias que contrariam séculos de luta por igualdade e justiça.

A Declaração: Um Ataque à Dignidade Feminina

A frase de Frei Gilson não é apenas uma opinião isolada; ela carrega o peso de uma visão de mundo que reduz a mulher a um papel subordinado, desprovido de autonomia ou valor intrínseco. Ao chamar a mulher de "mera auxiliar do homem", o frade não apenas ignora a complexidade das relações humanas, mas também deslegitima as conquistas históricas das mulheres, que, ao longo de décadas, romperam barreiras impostas pelo patriarcado. A crítica ao empoderamento feminino, por sua vez, expõe o desconforto de fundamentalistas com a ideia de que as mulheres possam exercer liberdade, liderança e autodeterminação — conceitos que ameaçam a estrutura hierárquica que eles defendem.

Esse discurso não é novidade. Ele ecoa interpretações distorcidas de passagens bíblicas, como a narrativa de Gênesis em que Eva é criada a partir da costela de Adão, frequentemente usada por teólogos conservadores para justificar a submissão feminina. No entanto, em pleno 2025, recorrer a tais argumentos é mais do que anacrônico — é uma afronta à razão e aos direitos humanos. A sociedade brasileira, apesar de seus desafios persistentes como a desigualdade salarial e a violência de gênero, avançou significativamente na direção da igualdade. Declarações como a de Frei Gilson representam um esforço deliberado de frear esse progresso, ancorando-se em uma suposta autoridade divina para mascarar o autoritarismo.

A Repercussão: Indignação e Resistência

A reação nas redes sociais foi imediata. Usuários expressaram revolta e incredulidade diante de um discurso tão misógino, especialmente vindo de uma liderança religiosa em uma data simbólica como o Dia da Mulher. "Eu queria desver e desouvir", escreveu uma usuária no X, destacando a liberdade de escolha que Gilson parece negar às mulheres: "Se ela quiser ser auxiliar do homem, ela será. Se ela não quiser nem ter homem, ela não terá. Simples assim." Outros apontaram a agressividade implícita na fala, como um post que questionou: "Por que o Frei Gilson acha que a mulher nasceu para ser auxiliar dos homens? Isso é uma agressão contra as mulheres."

A indignação é justificada. Em um país onde o feminicídio ainda é uma epidemia — com mais de 1.400 casos registrados em 2023, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública —, discursos que rebaixam a mulher a um papel secundário não são apenas retrógrados; são perigosos. Eles reforçam uma cultura de dominação que normaliza a violência e a opressão, dando respaldo ideológico a práticas que o Brasil luta para erradicar.

O Fundamentalismo como Ferramenta de Controle

O que está em jogo aqui vai além de uma frase infeliz. O fundamentalismo religioso, aliado a projetos como o da Brasil Paralelo, busca impor uma visão de mundo autoritária que rejeita a pluralidade e a diversidade. Não é coincidência que Frei Gilson já tenha se posicionado contra a homossexualidade, pregado contra o "comunismo" em missas eleitorais e apoiado movimentos golpistas entre 2022 e 2023, conforme investigações da Polícia Federal. Sua retórica é parte de um esforço maior para restaurar uma ordem social hierárquica, onde homens brancos, heterossexuais e cristãos ocupam o topo da pirâmide, enquanto mulheres, minorias e dissidentes são relegados à submissão.

Essa visão é incompatível com os princípios de uma sociedade democrática. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, garante a igualdade entre homens e mulheres perante a lei. Movimentos feministas, desde o sufrágio na década de 1930 até a criação da Lei Maria da Penha em 2006, provaram que a luta por direitos não é um "capricho" ou uma "invenção moderna", mas uma resposta necessária a séculos de injustiça. Reduzir a mulher a "mera auxiliar" é negar sua humanidade plena, ignorando que ela é, antes de tudo, um sujeito de direitos e protagonista de sua própria história.

Por uma Sociedade Livre de Correntes Fundamentalistas

As ideias defendidas por Frei Gilson e amplificadas pela Brasil Paralelo não merecem apenas crítica; exigem resistência ativa. É preciso desmascarar o discurso fundamentalista que, sob a fachada da tradição, perpetua desigualdades e silencia vozes. A mulher não nasceu para "auxiliar" ninguém — ela nasce para ser quem quiser: cientista, mãe, líder, artista, ou simplesmente ela mesma. Em 2025, com todos os desafios que ainda enfrentamos, não podemos tolerar que líderes religiosos ou plataformas de extrema direita nos arrastem de volta ao passado.

A verdadeira espiritualidade, se é que se pode falar em uma, não oprime; ela liberta. Que as mulheres — e todos nós — possamos continuar a construir uma sociedade onde a dignidade não seja negociável, e onde o autoritarismo travestido de fé seja relegado ao lugar que lhe cabe: o esquecimento.

Usuários expressaram revolta e incredulidade diante de um discurso tão misógino, especialmente vindo de uma liderança religiosa em uma data simbólica como o Dia da Mulher.
Usuários expressaram revolta e incredulidade diante de um discurso tão misógino, especialmente vindo de uma liderança religiosa em uma data simbólica como o Dia da Mulher.

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